Discalculia e a Dificuldade em Aprender Matemática

A leitura e a matemática são habilidades essenciais que a maioria das crianças domina desde a pré-escola. No entanto, mesmo com inteligência adequada e acesso a oportunidades educacionais, algumas crianças enfrentam dificuldades persistentes, que podem acompanhar o indivíduo até a vida adulta.

Entre esses desafios está a discalculia, muitas vezes descrita como a “contrapartida matemática” da dislexia. É caracterizada por uma deficiência grave e contínua na compreensão e no uso de conceitos matemáticos, incluindo operações básicas, noção de quantidade e contagem.

O que é discalculia

Estudos de David Moreau (University of Auckland, Nova Zelândia) mostram que a discalculia envolve déficits persistentes no processamento numérico, não atribuíveis a baixo QI, problemas sensoriais ou ensino inadequado.

Segundo o Instituto ABCD, os sinais variam de pessoa para pessoa e podem mudar ao longo da vida. Assim como na dislexia, pode haver comorbidade: quando um dos distúrbios está presente, há cerca de 40% de chance de o outro também ocorrer.

A discalculia não afeta apenas o desempenho escolar em matemática — ela impacta a vida cotidiana, desde lidar com dinheiro até compreender medidas e horários.

Prevalência e causas

  • Afeta 3,5% a 6,5% das crianças em idade escolar (estudos epidemiológicos internacionais).
  • É hereditária em muitos casos, sugerindo influência genética.
  • Não está ligada à falta de esforço ou desinteresse pela matéria.
  • Desenvolve-se ao longo dos anos, e a insegurança na disciplina tende a aumentar com o tempo sem intervenção.

Fatores de risco: histórico familiar, transtornos de aprendizagem associados, dificuldades precoces em habilidades pré-matemáticas.

Diagnóstico e avaliação

Não há teste único para diagnosticar a discalculia. A avaliação é feita por psicopedagogos escolares, neuropsicólogos e, em alguns casos, psiquiatras infantis ou outros profissionais de saúde ligados ao contexto escolar.

O processo inclui:

  1. Revisão de histórico escolar e desempenho em avaliações padronizadas;
  2. Entrevistas com pais e professores;
  3. Testes de habilidades numéricas e cognitivas para mapear pontos fortes e fracos.

O diagnóstico precoce é fundamental — intervenções iniciadas cedo reduzem impactos na autoestima e no desempenho acadêmico.

Sinais e sintomas por faixa escolar

Sintomas gerais

  • Dificuldade para contar de trás para frente;
  • Esquecimento de fatos matemáticos básicos, mesmo com prática;
  • Baixa percepção numérica;
  • Dificuldade com valor posicional e conceito do zero;
  • Problemas para manter números na memória de trabalho;
  • Ansiedade relacionada a atividades com números;
  • Lentidão em cálculos;
  • Dificuldade em ler horas ou calcular tempo;
  • Esquecimento de estratégias matemáticas complexas;
  • Problemas em estimar quantidades.

Educação infantil

  • Dificuldade para aprender a contar;
  • Não reconhecer padrões simples;
  • Não associar numerais a quantidades (ex.: “3” → três objetos).

Anos iniciais do fundamental

  • Uso excessivo dos dedos para contar;
  • Confusão com símbolos matemáticos (+, -);
  • Dificuldade em linguagem matemática (“maior que”, “menor que”);
  • Troca de ordem de números (12 ↔ 21).

Anos finais do fundamental

  • Dificuldade com propriedades matemáticas simples (comutativa, inversão);
  • Esquecimento de placares em jogos;
  • Evitar atividades que envolvam números.

Ensino médio

  • Dificuldade com leitura de tabelas e gráficos;
  • Problemas para calcular troco ou medir ingredientes;
  • Insegurança com velocidade, distância e direção;
  • Pouca habilidade em escolher estratégias para resolver problemas.

Intervenções e estratégias escolares

A discalculia não tem cura e não é tratada com medicamentos, mas pode ser gerenciada com apoio educacional e estratégias personalizadas.

Na escola, é importante:

  • Conceder mais tempo para testes e tarefas;
  • Permitir uso de calculadoras;
  • Ajustar o nível de dificuldade das atividades;
  • Dividir problemas complexos em etapas menores;
  • Usar cartazes e lembretes visuais de conceitos básicos;
  • Oferecer tutoria para habilidades fundamentais;
  • Utilizar aulas interativas e materiais concretos (como sólidos geométricos).

Fora da escola, adultos com discalculia podem buscar apoio profissional e ter adaptações no trabalho para reduzir impactos no desempenho.

O que diz a lei (Brasil)

A Lei Federal nº 14.254/2021 garante direitos a alunos com dislexia, TDAH e outros transtornos de aprendizagem, incluindo a discalculia.
Entre as obrigações:

  • Programas de acompanhamento integral, do diagnóstico ao apoio terapêutico;
  • Atendimento especializado nas escolas públicas e privadas;
  • Formação de professores para identificar sinais e oferecer intervenções adequadas;
  • Parceria entre sistema de ensino e saúde para acompanhamento do aluno.

Dados recentes (2023–2025)

  • Crianças com discalculia têm 2,5x mais chances de desenvolver ansiedade escolar (Journal of Learning Disabilities, 2024);
  • Programas de intervenção com jogos digitais adaptativos mostraram melhora de até 30% no desempenho após 12 semanas (Educational Psychology Review, 2023);
  • O diagnóstico médio ainda ocorre tardiamente, aos 9–10 anos, o que reforça a necessidade de capacitação dos professores (Instituto ABCD, 2025).

Conclusão

A discalculia é uma dificuldade de aprendizagem real e persistente, que exige atenção precoce e colaboração entre escola, família e profissionais especializados.

Com estratégias adequadas e acompanhamento contínuo, é possível minimizar seus efeitos e garantir que o aluno desenvolva seu potencial acadêmico e pessoal.

No contexto escolar, identificar, compreender e agir são as três chaves para transformar a experiência do estudante com dificuldades em matemática.