Há muitos anos, este tema é abordado por pesquisadores e especialistas da área médica em todo o mundo. Porém, as medidas efetivas para minimizar o problema ainda são escassas.
Com a pandemia e a necessidade do uso das tecnologias digitais no home office e nas aulas online, o problema da alta exposição às telas por crianças e adolescentes ganhou proporções ainda maiores. Tornou-se quase uma “endemia silenciosa”, com efeitos colaterais que podem se acentuar nos próximos anos.
Médicos e psicólogos, especialmente pediatras, vêm constatando o aumento de casos de déficit de atenção, dificuldades de aprendizagem e outros males relacionados ao uso prolongado de telas — sejam elas de tablets, celulares, televisores ou computadores.
O objetivo aqui é sensibilizar a comunidade escolar — diretores, coordenadores e professores — sobre a urgência de um olhar cuidadoso para esse tema, com base em publicações científicas e experiências práticas.
Não é proibir, é limitar com responsabilidade
Não se trata de impedir totalmente que crianças assistam televisão ou usem dispositivos digitais, mas sim de estabelecer limites de tempo adequados, ajudando a mitigar os efeitos nocivos à saúde.
O que mostram as pesquisas
Tawanna Pereira Passos e Larissa Seabra Toschi, em revisão bibliográfica pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (SciELO, MEDLINE e CAPES), apontaram que “a dependência digital dessa nova geração online causou mudanças significativas no processo cognitivo das crianças e adolescentes”.
As tecnologias, segundo os estudos, interferem no desenvolvimento cognitivo e limitam experiências da vida real. Há evidências de que o uso precoce de dispositivos móveis pode estar associado a atrasos expressivos de fala já aos 18 meses.
Outros trabalhos clássicos, como o de Daniel R. Anderson e Tiffany A. Pempek (“Television and Very Young Children”, University of Massachusetts, 2005), mostram que crianças compreendem e aprendem desde cedo, mas perdem oportunidades fundamentais de desenvolvimento quando substituem a brincadeira pelo tempo de tela.
A brincadeira, como reforçam RG Salgado, RMR Pereira e S. Jobim e Souza (“Pela tela, pela janela”, 2005), é essencial para que a criança vivencie e ressignifique a realidade, transformando-a em pensamento e desenvolvimento cognitivo.
Em estudo recente (Rosa e Souza, 2021), foi identificado que a dependência digital afeta diretamente a capacidade de concentração, reduz o raciocínio e altera comportamentos, com a geração online dedicando mais tempo a atividades virtuais do que presenciais.
Quando o uso lúdico é saudável
O uso das telas pode ser aliado da educação e do lazer, desde que seja controlado, supervisionado e com propósito. Sem orientação, o consumo excessivo pode gerar dependência compulsiva, isolamento social e impacto negativo na linguagem.
Pesquisas como a de Maristela J. R. Peixoto, Paula A. Cassel e Juliana Bredemeier mostram que crianças com televisão no quarto dialogam menos com os pais e raramente comentam sobre o que assistem — reduzindo as trocas comunicativas e a exposição à linguagem.
A vida na “família digital”
Uma matéria de Kelly Oliveira, na Veja Saúde (2021), descreve um jantar típico em que cada membro da família está conectado a um dispositivo — e desconectado entre si. Essa cena, que já era comum no auge da pandemia, segue presente no cotidiano de muitas famílias, substituindo interações presenciais por estímulos digitais incessantes.
O risco não está apenas na quantidade de horas de tela, mas também na falta de controle sobre o conteúdo consumido, que pode incluir insinuações sexuais, cyberbullying, estímulos ao consumismo e padrões de comportamento prejudiciais.
A visão dos especialistas
O pediatra Dr. José Luiz de Lima, da USP, alerta que nos países desenvolvidos há consenso médico: crianças de até 3 anos não devem ficar expostas às telas. Após essa idade, o tempo deve ser aumentado gradualmente, sem ultrapassar 2 horas diárias.
Ele compara o poder viciante das telas ao do açúcar: “Uma vez que a criança experimenta, quer cada vez mais”. E acrescenta:
- Crianças que comem apenas com telas ligadas desenvolvem hábitos alimentares ruins;
- É essencial acompanhamento oftalmológico regular;
- Na Coreia do Sul, 90% dos adolescentes usam óculos, em parte devido ao uso excessivo de telas;
- O excesso de exposição estimula o imediatismo, reduz a paciência e incentiva a abreviação da linguagem, prejudicando a norma culta.
Dados e orientações atualizadas (2024–2025)
Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024:
- 93% das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos usam a internet regularmente;
- 23% começaram antes dos 6 anos (era 11% em 2015);
- 83% têm perfil ativo em redes sociais; entre 15 e 17 anos, chega a 99%.
O Guia Nacional para Uso Saudável de Telas (Governo Federal, 2025) recomenda:
- Zero tela para menores de 2 anos (exceto videochamadas com familiares);
- Sem smartphone próprio antes dos 12 anos;
- Supervisão obrigatória até os 17 anos;
- Respeito à classificação indicativa e incentivo a conteúdos educativos.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Academia Americana de Pediatria (AAP) reforçam:
- Menos de 2 horas diárias de tela recreativa para maiores de 2 anos;
- Pausas a cada 30–40 minutos;
- Ambientes livres de telas (quarto e refeições);
- Priorizar atividades offline e interações sociais.
Conclusão: um pacto entre família e escola
A pandemia acelerou a transformação digital, mas também ampliou o impacto negativo do uso excessivo de telas. As crianças foram as mais afetadas, privadas da interação social e expostas a estímulos digitais intensos por longos períodos.
Hoje, o desafio é resgatar o mundo fora das telas.
Família e escola precisam atuar juntas para estabelecer limites, promover educação digital e incentivar hábitos saudáveis. Assim, crianças e adolescentes poderão usufruir da tecnologia como ferramenta — e não como prisão.