Como competências socioemocionais e relacionais potencializam a leitura e a escrita nas primeiras etapas da educação.
No imaginário coletivo, alfabetizar costuma significar unicamente ensinar a criança a decifrar letras, juntar sílabas, dominar códigos da língua portuguesa.
Mas a escola contemporânea — atenta aos desafios da sociedade e às descobertas da neurociência e da psicologia — enxerga além: o verdadeiro processo de alfabetização é integral. Ele envolve não apenas habilidades cognitivas, mas também as emocionais e sociais, essenciais para que toda aprendizagem faça sentido, seja sustentável e promova, de fato, a inclusão.
Viviane Mosé afirma que “a escola é mais do que espaço de transmissão de conhecimento; deve ser território de encontro, potência de ser e de aprender.”
E é nesse contexto que o desenvolvimento das habilidades socioemocionais ganha lugar central: crianças seguras, acolhidas e escutadas aprendem melhor, se expressam com mais espontaneidade e constroem relações de respeito dentro e fora da escola.
Emoções, vínculos e aprendizados duradouros
Diversos estudos observam que a infância é marcada por intensas descobertas emocionais.
O primeiro contato com o grupo, o convívio com a diferença, o desafio de lidar com frustrações, regras, partilhas e novas responsabilidades têm impacto direto sobre a capacidade de aprender a ler e escrever. Mario Sergio Cortella ressalta que “o aprendizado precisa estar conectado ao desejo, ao prazer e ao encantamento; sem afeto, não há interesse genuíno.”
Por isso, práticas que envolvem acolhimento, expressão de sentimentos, partilha de desejos e dúvidas diárias formam o solo no qual as competências da alfabetização tradicional podem florescer. Em sala, o educador pode realizar atividades como:
- Rodas de conversa sobre sentimentos e experiências pessoais;
- Discussão de histórias que abordem temas como amizade, medo, coragem, solidariedade e diferenças;
- Brincadeiras cooperativas, em que o objetivo não seja ganhar, mas criar juntos;
- Murais dos sentimentos, incentivando as crianças a expressarem emoções por meio de desenhos ou pequenas frases;
- Pequenos projetos sobre respeito, empatia e resolução de conflitos cotidianos.
Segundo Rubem Alves, “educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu.” É criar oportunidades para os alunos entenderem a si, compreenderem os outros e construírem autonomia emocional.
Crianças que desenvolvem autocontrole, empatia e autoestima desde cedo interagem melhor com os pares, recebem feedbacks construtivos dos professores e não temem tentar, errar ou recomeçar.
Aprendizagem ativa e acolhedora: experiências que transformam
No início da vida escolar — e, sobretudo, na alfabetização —, estão lançadas as primeiras sementes do aprendizado social: colaboração, escuta, respeito a diferentes pontos de vista. Ambiente seguro, acolhedor e dialogante, por si só, já amplia o potencial do ensino.
Lilian Bacich e José Moran, ambos grandes defensores das metodologias ativas e do protagonismo infantil, destacam que projetos integradores, oficinas em grupo, contação de histórias coletivas e jogos que envolvem desafios morais e éticos são ferramentas poderosas para unir conteúdo e formação social/afetiva.
São nesses espaços que o estudante aprende a negociar, a cooperar, a lidar com limites, sentimentos de perda, vitória, medo e superação.
Exemplos práticos incluem a utilização de histórias infantis clássicas como ponto de partida para reflexões sobre diversidade, inclusão e tolerância; jogos de dramatização para recriar situações em que as emoções se fazem presentes; cartas e bilhetes entre colegas para trabalhar habilidades de comunicação e respeito ao outro.
Autoconhecimento, pertencimento e cidadania desde o primeiro passo
Para que a alfabetização seja plena, a criança precisa sentir que faz parte de um coletivo que a reconhece, valoriza e respeita.
Nas escolas que praticam o acolhimento ativo, os estudantes demonstram mais segurança para perguntar, expor ideias, dividir angústias e propor soluções em grupo.
O desenvolvimento do autoconhecimento e da empatia fortalece a autoestima, diminui conflitos e contribui para que o processo da aprendizagem formal aconteça de modo fluido e prazeroso.
Viviane Mosé explica que “uma criança emocionalmente equilibrada está mais aberta à experimentação, à curiosidade e ao risco criativo que a aprendizagem exige”. Por isso, investir em ambientes emocionalmente seguros é investir em alfabetização de verdade.
Alfabetizar para a vida: humanizar o processo ensino-aprendizagem
Quando a escola se compromete com a alfabetização do sentimento, cuida não apenas de formar leitores e escritores, mas cidadãos completos, prontos para lidar com as múltiplas demandas do nosso tempo.
Esse compromisso se reflete em alunos mais cooperativos, respeitosos, críticos e participativos, preparados para atuar de maneira ética e solidária na sociedade.
Ao unir competências emocionais, sociais e acadêmicas, a escola está dizendo que alfabetizar é, mais do que decifrar o ABC, ensinar a ler o mundo — e a si mesmo — com responsabilidade, generosidade e alegria.
Referências:
Mosé, V. (2017). Escola, o Lugar do Pensar.
Alves, R. (2013). Ostra Feliz Não Faz Pérola.
Bacich, L. (2015). Metodologias Ativas para uma Educação Inovadora.
Moran, J. (2017). A Educação que desejamos: Novos Desafios e como chegar lá.
Cortella, M. S. (2017). Educação, Escola e Docência: Novos Tempos, Novos Desafios.