Muito mais do que juntar letras para formar palavras, alfabetização é o primeiro passo de uma jornada de descobertas.
Levar uma criança ao universo da leitura e da escrita é, nas palavras de Mario Sergio Cortella, “fazer com que o mundo cresça dentro dela”.
Em tempos em que a informação circula com velocidade e competir com as telas é desafio diário, a escola contemporânea tem o compromisso de transformar o ensino do código escrito em algo significativo e encantador.
Curiosidade: o combustível do aprender
A motivação para aprender nasce do cotidiano e do encanto.
Quando o conteúdo escolar se conecta à vida real, nasce um elo entre o mundo da sala de aula e o universo do estudante. “Educar é ensinar a perguntar, mais do que ensinar a responder”, afirma Cortella.
O ambiente alfabetizador precisa ser caldo de cultura, de estímulo. Histórias que dialogam com a comunidade, atividades situadas no dia a dia da criança, projetos que incluem as experiências dos alunos são estratégias que funcionam.
Ouvir quais temas mais enchem os olhos dos estudantes, permitir que tragam perguntas do bairro, da família e dos seus sonhos, é potencializar um aprendizado vivo.
Rubem Alves reforçava essa dimensão dizendo que “ensinar é um exercício de imortalidade, porque o que se ensina vai além do tempo do professor”.
Quando o educador mostra por que aprender faz diferença — ao ler as placas da rua, entender um bilhete, descobrir curiosidades em um livro ou resolver um desafio nas redes sociais —, a criança sente que ler e escrever são superpoderes para sua própria vida.
Alfabetização além do quadro negro
A alfabetização ganha mais sentido quando se desdobra por toda escola.
Não é papel de um único professor, mas de toda equipe engajada em criar um ambiente rico em linguagem: recados coletivos nos corredores, cantinhos da leitura, murais ilustrados com os trabalhos dos próprios alunos.
Viviane Mosé aponta que “a escola contemporânea precisa se abrir para o diálogo entre diferentes saberes”, convidando alunos a experimentarem, errar, tentar e recomeçar sem medo. O erro, nesse contexto, é visto como parte do caminho do conhecimento e não como fracasso.
Iniciativas simples têm alto impacto:
- Criar oficinas onde as crianças escrevem bilhetes para recados reais da escola.
- Promover rodas de histórias com diferentes vozes (também de funcionários e familiares convidados).
- Usar música e dramatização para explorar sons, palavras e rimas.
- Estimular projetos de investigação: “Que palavras novas aprendemos esta semana?”, “Por que as placas das ruas têm nomes diferentes?”, “O que diz aquela receita de bolo feita em casa?”.
Até mesmo o uso da tecnologia, quando bem guiado, pode aproximar, ao invés de distanciar.
Aplicativos de leitura interativa, jogos de palavras e experiências multimídia — como criar um pequeno jornal da turma — são exemplos de conexão positiva entre alfabetização e o interesse pelos meios digitais.
O papel do educador mediador
O educador é o grande maestro desse processo. Içami Tiba defendia que “educar é diferente de ensinar, porque educar é estimular a autonomia e oferecer ferramentas para que o aprender aconteça de verdade”.
Mais que transmitir conteúdo, é preciso (e possível) inspirar, acolher, provocar perguntas e iluminar caminhos.
Práticas que desenvolvem o protagonismo do estudante — como dúvida do dia, escolha coletiva de livros de leitura, debates sobre temas da infância — ajudam a transformar a sala de aula em laboratório de construção de sentido.
Família, escola e confiança: o tripé do encantamento
Nada substitui o papel da família na construção de sentido sobre o aprender.
Quando pais e cuidadores valorizam os pequenos avanços, contam sobre suas próprias experiências com a leitura e se mostram curiosos pelo que os filhos aprendem, criam um ambiente de intimidade e afeto com o ato de aprender.
Colocar a família como parceira ativa da alfabetização é garantir que o interesse não se limite ao espaço escolar, mas reverbere em casa e na vida.
Alfabetizar para criar cidadãos do mundo
No universo acelerado de hoje, alfabetizar com sentido é formar leitores críticos, criativos e autônomos. É dar a cada criança o direito de perguntar, duvidar, se emocionar com as palavras — e, a partir delas, se reconhecer autora da própria história.
“Alfabetizar não é só dar letras, é convidar para as aventuras do pensar”, resume Viviane Mosé.
O desafio não é pequeno, mas a recompensa é imensa: estudantes que levam da escola não somente a habilidade de decodificar palavras, mas o prazer e o significado de mergulhar, para sempre, no mundo do saber.
Referências:
Cortella, M. S. (2017). Educação, Escola e Docência: Novos Tempos, Novos Desafios.
Alves, R. (2012). Sobre o tempo e a escolha.
Mosé, V. (2017). Escola, o Lugar do Pensar.
Tiba, I. (2011). Educação Familiar: Novos Rumos.