A importância dos pequenos conflitos: o que a criança aprende quando disputa um brinquedo?

A importância dos pequenos conflitos: o que a criança aprende quando disputa um brinquedo?

Como as situações de conflito na infância, mediadas pelo ambiente escolar, contribuem para o desenvolvimento emocional, social e ético das crianças.


O conflito não é vilão: é matéria-prima do aprender viver juntos


Se há cenas que todo professor da educação infantil conhece bem, são os pequenos conflitos cotidianos: uma disputa pelo brinquedo preferido, uma fileira desorganizada, um empurrão involuntário, um choro porque “não é justo”.

Para muitos adultos, esses embates são vistos como momentos “problemáticos”. Para a pedagogia contemporânea, no entanto, eles são portas de entrada para lições valiosíssimas de convivência.

Loris Malaguzzi ensinava, a partir da experiência de Reggio Emilia, que a escola é uma comunidade de sujeitos múltiplos, e não um espaço de silêncio industrial. “As cem linguagens da criança”, diz, “incluem também a linguagem do conflito e da emoção”.

Não seria possível educar para a democracia, a alteridade e a ética sem permitir — e aprender a mediar — as pequenas e grandes disputas da infância.

O olhar dos grandes mestres: conflito como motor de aprendizagem ética e emocional


Jean Piaget, estudando o desenvolvimento moral das crianças, revelou como o conflito é necessário para que o sujeito saia do egocentrismo e desenvolva cooperação e justiça.

Na convivência, a criança é obrigada a negociar, argumentar, ceder, propor regras, defender ideias — ações que constroem, nas palavras de Piaget, a “moralidade autônoma”, baseada no respeito mútuo e não apenas na obediência.

Lev Vygotsky aprofunda: ao mediar conflitos, a criança internaliza normas e valores sociais, exercita controle emocional e aprende a dialogar com o outro.

O adulto, neste cenário, não deve simplesmente “resolver para acabar logo”, mas sim ajudar a pensar o que sentiu, porque agiu daquela forma, como poderia fazer diferente, preparando para a vida democrática.

Maria Montessori igualmente reconhece que o conflito, se bem conduzido, é oportunidade de construção de autonomia, autoconhecimento e respeito. Seu método orienta o adulto a intervir o mínimo necessário, encorajando que as crianças busquem, juntas, soluções e acordos — fortalecendo a independência e a empatia.

Friedrich Froebel, pioneiro do jardim de infância, via nos círculos e jogos em grupo momentos indispensáveis para que a criança experiencie os limites sociais, reconheça o impacto de suas ações e aprenda, na prática, a importância da colaboração.

Direitos, limites e potência: o que se aprende quando disputamos um brinquedo?


Toda disputa carrega uma rica sequência de aprendizagens:

A nomeação das emoções: a criança sente raiva, tristeza, ciúme, frustração — e aprende, pela mediação, a dar nome e sentido a esses sentimentos, desenvolvendo inteligência emocional.


A prática da negociação: “Posso brincar depois?” “Vamos brincar juntos?” “Você me empresta?” — perguntas e propostas treinam habilidades sociais, colocam em prática argumentos e ajudam no desenvolvimento do pensamento lógico.


A vivência de regras e limites: as crianças testam os limites da convivência, descobrem que nem sempre podem ter tudo na hora que querem, aprendem sobre alternância, respeito e justiça.


A resolução pacífica de conflitos: pelo diálogo, pela escuta e, com apoio do adulto, pelas tentativas de compor soluções — do tradicional “par ou ímpar” à criação conjunta de novas brincadeiras.


A internalização de valores: solidariedade, respeito, equidade, partilha — virtudes que dificilmente seriam construídas apenas pela transmissão verbal de regras, mas sim pela vivência concreta.


Carolyn Edwards e Leila Gandini, ao analisarem as experiências de Reggio Emilia, destacam que o papel do adulto é escutar as versões das crianças, dar espaço para elas expressarem sentimentos e estimular que encontrem, sozinhas ou em grupo, soluções criativas e justas para o impasse — processo que fortalece autonomia e sentimento de pertencimento ao coletivo.

O adulto como mediador atento, paciente e formador de cidadãos


A mediação adulta durante os conflitos exige sensibilidade e técnica:

  • Observar sem interferir imediatamente, dando à criança oportunidades de procurar suas próprias estratégias.
  • Nomear sentimentos (“Eu vejo que você está bravo porque queria o brinquedo agora”) para ajudar na elaboração emocional.
  • Garantir escuta para todos envolvidos, sem atribuir, de imediato, culpados ou vencedores.
  • Propor perguntas (“Como podemos resolver isso juntos?”) e incentivar rodízios, combinações, criações novas.
  • Comunicar limites claros, necessários à segurança e ao respeito mútuo, sempre explicando o porquê das decisões.
  • Valorizar a reaproximação e a reparação (“Vamos tentar de novo amanhã?”, “Como você acha que seu colega ficou se sentindo?”).

Como bem lembra Malaguzzi, “conflitos bem mediados preparam para a vida num mundo diverso, onde aprender a dialogar diante da diferença é maior do que nunca”.

Do pátio à vida: preparando para uma cidadania ética


Pequenos conflitos vividos na primeira infância, quando tratados como oportunidades de aprendizado, não só ajudam a formar crianças mais autônomas, seguras, solidárias e reflexivas, mas também futuros adultos mais preparados para o diálogo, a negociação de interesses e a construção coletiva da justiça.

Sociedades democráticas só existem quando seus membros aprendem, desde cedo, que discordar, negociar e compor faz parte do bem comum.

Conclusão: crescer é aprender a enfrentar o conflito — e resolver juntos


Ao invés de evitar ou apressar a solução dos conflitos naturais da infância, a escola deve abraçá-los como oportunidade de ouro: cada disputa é ensaio de uma sociedade melhor.

Ao mediar com ética, escuta e respeito, professores ajudam crianças a tornarem-se verdadeiros sujeitos históricos, capazes de construir coletivamente um mundo mais justo, plural e humano.

Referências

Piaget, J. (1998). O julgamento moral na criança.
Vygotsky, L. S. (1991). A formação social da mente.
Montessori, M. (2017). A criança.
Froebel, F. (1981). The Education of Man.
Malaguzzi, L. (1999). As cem linguagens da criança.
Edwards, C.; Gandini, L.; Forman, G. (1999). As cem linguagens da criança.

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