Brincadeiras dirigidas versus livres: como equilibrar na rotina escolar?

Brincadeiras dirigidas versus livres: como equilibrar na rotina escolar?

Desafios e potenciais da construção de uma rotina que respeita a liberdade da criança sem abrir mão da intencionalidade pedagógica.


Brincar é o centro da experiência infantil e, ao mesmo tempo, um dos elementos pedagógicos mais debatidos no universo da Educação Infantil.

Entre profissionais, famílias e pesquisadores, uma dúvida recorrente surge: qual é o papel das brincadeiras dirigidas (aquelas planejadas ou mediadas pelo adulto, com objetivos definidos) e das brincadeiras livres (espontâneas, guiadas pelo interesse da criança) no desenvolvimento integral dos pequenos? Mais ainda: como encontrar o equilíbrio nas rotinas escolares para potencializar todas as dimensões do brincar?

A resposta passa pelo entendimento de que ambos os tipos — livre e dirigido — são legítimos, necessários e se complementam quando o objetivo é formar sujeitos autônomos, criativos, felizes e capazes de viver em coletivo.

Fundamentos teóricos: liberdade, intenção, contexto e desenvolvimento


O debate sobre condução adulta versus espontaneidade na brincadeira remonta aos primeiros grandes teóricos da infância.

Friedrich Froebel, criador do jardim de infância, já valorizava tanto as atividades autônomas quanto as propostas planejadas, desde que permeadas de sentido, encantamento e respeito pelas necessidades e interesses infantis.

Na perspectiva froebeliana, brinquedos e “dons” (materiais abertos) eram oferecidos para que a criança pudesse explorar livremente, mas também eram propostos jogos, músicas e vivências grupais que os introduziam a valores e conhecimentos do seu tempo.

Maria Montessori, por sua vez, defendia a ideia do “ambiente preparado”: um espaço que inspira liberdade no agir, mas é cuidadosamente organizado para que cada ato da criança seja intencional, seguro e potencialmente educativo.

Em suas escolas, a alternância entre atividades autônomas e momentos dirigidos prepara, gradualmente, para a autodisciplina, autonomia, concentração e convivência.

Vygotsky, em seu conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, fala da importância das interações entre pares e com o adulto mediador. Ele reforça que, em certos contextos, o papel do professor é fundamental para desafiar a criança a ir além do que conseguiria sozinha, seja propondo regras de jogos novos, mediando conflitos ou sugerindo problemas instigantes.

Jean Piaget também pondera: a brincadeira livre é campo fértil para a assimilação de noções de espaço, tempo, causalidade, moralidade e relação com o outro, mas a orientação intencional amplia repertório, estrutura desafios e apresenta novas linguagens e regras que a criança nem sempre descobria espontaneamente.

Na contemporaneidade, Loris Malaguzzi (Reggio Emilia) defende um “currículo emergente”, em que o professor observa as preferências das crianças nas brincadeiras livres para transformá-las em projetos dirigidos, costurando interesse e intencionalidade pedagógica, sempre fugindo do controle excessivo.

Brincadeira livre: essência, descobertas e direitos


O brincar livre — aquele em que a criança escolhe o que, com quem, como e por quanto tempo brincar, com liberdade de criação e autonomia — é estruturante para o desenvolvimento da imaginação, criatividade, iniciativa, noção de pertencimento e resolução de problemas.

Nessas vivências a criança experimenta papéis, inventa mundos, aprende a negociar regras, lida com frustrações, incorpora saberes culturais (cantigas, jogos, tradições) e mobiliza as “cem linguagens” de que falava Malaguzzi.

Na visão de Gandini e Forman, ambientes escolares ricos, com materiais abertos (panos, caixas, blocos, elementos naturais), favorecem o surgimento de brincadeiras surpreendentes, promovendo prazer, desafios sinceros e descobertas afetivas profundas.

Ao adulto cabe garantir segurança, observar e, quando necessário, apoiar ou mediar sem invadir a brincadeira.

Brincadeira dirigida: desafios, limites e possibilidades


Já as brincadeiras dirigidas, propostas pelo educador, oferecem oportunidades para desenvolver aprendizagens específicas: regras sociais, noções matemáticas, linguagens artísticas, motricidade fina, coordenação, estratégias de escuta, turnos de fala e resolução de conflitos.

Atividades como jogos de tabuleiro, circuitos motores, dramatizações, brincadeiras cantadas, desafios em grupo e projetos coletivos têm valor imenso para ampliar o universo cultural, intelectual e social das crianças.

Para que a brincadeira dirigida seja significativa, é fundamental que respeite o interesse, o ritmo e as potencialidades do grupo; nunca deve ser imposta como obrigação ou ferramenta meramente disciplinar. Como diz Montessori, “a educação é um processo ativo e vivo”; as propostas devem emergir do olhar atento para o que motiva e desafia cada turma.

O desafio do equilíbrio: planejamento flexível e escuta sensível


Uma rotina escolar que potencializa o brincar precisa alternar, com sabedoria, brincadeiras livres e dirigidas. Isso significa:

  • Reservar tempo diário amplo para o brincar livre, em ambientes ricos, seguros e variados;
  • Planejar propostas dirigidas abertas, que partem dos interesses observados nas brincadeiras espontâneas;
  • Permitir que momentos dirigidos se transformem, sempre que possível, em experiências criativas, onde as crianças possam sugerir, reinventar e tomar decisões;
  • Acolher o improviso e a mudança de planos, valorizando o protagonismo infantil;
  • Registrar e refletir coletivamente (com as crianças) sobre os aprendizados das diferentes experiências.

Práticas inspiradas em Reggio Emilia mostram que, ao documentar as escolhas lúdicas do grupo, propor projetos que valorizam a pesquisa infantil e organizar assembleias ou rodas para escutar os interesses das crianças, a escola alcança esse equilíbrio sutil e poderoso.

Impactos para o desenvolvimento integral e a cidadania


Ao garantir espaços para ambas as modalidades de brincar, a rotina escolar respeita a infância e prepara para a vida: favorece autonomia, pensamento crítico, empatia, colaboração, imaginação, flexibilidade e resiliência. Crianças que experimentam limites, desafios e liberdade tornam-se mais seguras, criativas e socialmente competentes.

Nesse cenário, cabe ao professor assumir o papel de pesquisador, atento cotidiano, mediador sensível, promotor da escuta, da experimentação e do respeito ao tempo e às diferenças de cada criança.

Conclusão: brincar com equilíbrio é educar para a liberdade e o coletivo


Saber dosar brincadeiras dirigidas e livres na rotina escolar é arte e ciência.

É acreditar que todo sujeito tem direito ao protagonismo, à descoberta e ao desafio. E que a excelência pedagógica na Educação Infantil nasce do respeito à criança como ser único, potente e múltiplo — aprendendo com e pelo brincar, todos os dias.

Referências:

Froebel, F. (1981). The Education of Man.
Montessori, M. (2017). A criança.
Piaget, J. (1998). O julgamento moral na criança.
Vygotsky, L. S. (1991). A formação social da mente.
Malaguzzi, L. (1999). As cem linguagens da criança.
Edwards, C.; Gandini, L.; Forman, G. (1999). As cem linguagens da criança.

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